Segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde divulgado em 22 de maio de 2023, entre 2015 e 2021, foram notificados 202.948 casos de violência sexual no Brasil, com 41,2% em crianças e 58,8% em adolescentes. Houve aumento até 2019, seguido de queda em 2020 e um pico em 2021. O estupro foi predominante, ocorrendo principalmente em residências, com agressores geralmente sendo familiares ou conhecidos próximos. Tal dinâmica dificulta a intervenção, perpetuando a cultura de violência.
Em Alto Santo (CE), a juíza da Vara Única da Comarca e associada da Associação Cearense de Magistrados (ACM), Dayana Claudia Tavares Barros de Castro, implementou um projeto social para organizar um fluxo de acolhimento dentro da cidade em prol das crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais. A ação intitulada “Auri Moura Costa: Informar Para Transformar – Enfrentamento Da Violência Sexual Contra Crianças E Adolescentes” contou com a cooperação da rede de acolhimento municipal, Conselho Tutelar, Ministério Público e Delegacia de Polícia Civil.
O projeto é voltado para a conscientização com agentes próximos às crianças. “Precisamos combater essa cultura crescente, encorajando denúncias e apoio às vítimas. Muitas vezes, as próprias mães não acreditam ou não percebem as mudanças nas vítimas, devido à falta de credibilidade e ameaças dos agressores”, explica a juíza Dayana Claudia.
Com a aprovação por unanimidade da Lei Ordinária Nº. 874/2023 de Alto Santo, também de iniciativa da magistrada, foi prevista a criação de uma sala de acolhimento para atendimento humanizado às vítimas e aos seus familiares com apoio de uma equipe multidisciplinar a ser disponibilizada pelo Município.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem tratado de temas relacionados à violência sexual contra menores, enfatizando a importância da palavra da vítima quando coerente com outras provas. Enquanto o Código Penal brasileiro, por sua vez, aborda crimes sexuais, como estupro e estupro de vulnerável. Para tanto, a Lei nº 13.431/2017 criou condições de proteção para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, incluindo a escuta especializada e o depoimento especial.
No Ceará, com especial atenção, para dar efetividade ao que dispõe a lei de depoimento especial, foi assinado um Termo de Cooperação referente ao projeto que a juíza desenvolveu em parceria com o Núcleo de Cooperação Judiciária, do qual faz parte. O projeto permite a construção de um fluxograma para realização de forma rápida e eficaz das oitivas especiais no âmbito das Unidades Judiciárias do Estado do Ceará.
“Para evitar revitimização, é essencial priorizar a oitiva especial, embora a falta de estrutura e capacitação cause demora na sua realização. Podemos dizer que o Ceará desenvolveu um projeto para regulamentar e agilizar o processo de oitiva especial”, afirma a juíza, “Deve-se aumentar os canais de denúncia e acelerar o encaminhamento das vítimas na rede de assistência. Além de também conscientizar a população sobre as consequências legais dos abusos para combater a cultura de silêncio e proteger as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual”.
Para o presidente da ACM, juiz José Hercy Ponte de Alencar, a iniciativa marca um novo tratamento para casos de abuso entre menores de idade. “O projeto de nossa associada é essencial para que o acolhimento de vítimas de violência sexual, sejam crianças ou adolescentes, seja efetivo no sistema judiciário”, afirma.